Grilhões

13:36



Andava assim, nas pontas dos pés.

      Um. Depois. O. Outro. 

      Em uma tentativa vã de silêncio, pois havia sempre aquela parte de madeira do assoalho que insistia em ranger brevemente, resmungando como um velho idoso por conta da artrite. Parou, aguardando no meio da madrugada uma centelha de som que indicasse que havia acordado qualquer uma das pessoas que já habitava, naquela altura da noite, o mundo dos sonhos.

      Estava ela ali, dividida entre ir ou ficar – solitária. Ou quase. Atrás de si, uma figura invisível aos seus olhos, que se recusavam a enxergar a massa negra de tristeza e falsa aceitação. Ocupava quase que o corredor inteiro, e este por si só já era um pouco mais alto e largo que o convencional – ela não se permitia ver o que “não existia” (supostamente). Quando criança, era uma menina sorridente, de riso fácil e cativante. Agora, tornara-se uma fugitiva. E sua fuga não era à toa; fugia da própria felicidade, e várias vezes ao dia (este aparentemente interminável) ela se embrenhava cada vez mais naquele labirinto sem aparente (fácil) saída – fugia dos sonhos, fugia de si mesma. Embora possuísse nome semelhante, não era como se fosse a Ariana apaixonada por Teseu, que teve a brilhante ideia de fazê-lo adentrar no labirinto com um rolo de barbante em mãos.

      Ela, parada no corredor, encarando o reflexo, não parecia disposta a enxergar o que deveria – que estava amarrada em invisíveis algemas: não parecia certo aceitar-se como era, não parecia certo pensar o que pensava, não parecia ser certo ela ser tão ela. Assemelhava-se mais a um “defeito de fábrica”. E tantas e tantas foram as reflexões no espelho da alma, que ela finalmente notou que não estava presa por vontade própria. E, quando o fez, encontrou no meio de tanta bagunça uma pequenina chave – aquela, que com certeza a livraria das correntes de ferro. A massa negra finalmente foi embora.

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