STILL ALICE, o filme.


Não gosto de filmes de drama porque no geral eles elevam esse sentido da palavra ao nível extremo - e isso quando não cruzam a linha do aceitável. Pelo menos, é isso o que eu sinto na maioria das vezes em que me deparo com um filme ou livro desse gênero; e em parte porque eu sinto que a minha vida já tem coisas horríveis demais para lidar, ver um filme assim não deve melhorar o humor... E no entanto, o que quer que tenha me levado a assistir esse filme em questão (fosse a curiosidade movida pelas críticas, o tédio ou só porque foi a primeira coisa que apareceu no Netflix), fico grata. Absurdamente grata. Eu literalmente acabei de assistir Para Sempre Alice e corri para o blog para escrever. Porque ainda está fresco, recente. E mesmo que eu não tenha (graças a Deus, né?) o mal de Alzheimer, não quis perder nenhum detalhe sutil que eu percebi enquanto assistia e muito menos perder essa vibe que eu fiquei após o filme, sabe? É um daqueles momentos em que você se encontra tão tocado por algo que fica impossível não discutir, comentar com alguém ou simplesmente escrever sobre isso. E me sinto tão profundamente emocionada que eu acabei precisando escrever essa review enquanto basicamente escuto toda a soundtrack.

PARA SEMPRE ALICE | Still Alice
Direção:  Richard Glatzer, Wash Westmoreland.
Estreia: 2015.
Duração: 101 minutos.
Confira o Trailer: AQUI.
Classificação:


Alice Howland é uma mulher de renome no mundo acadêmico: professora de linguística, palestrante, autora de alguns muitos livros de sucesso. Uma mulher que é casada, tem três filhos e tem uma vida estável e feliz. O problema todo começa quando ela passa a esquecer pequenas palavras, alguns nomes e em uma situação mais grave, acaba perdendo-se durante uma corrida. E é aí que recebe o impulso de procurar um neurologista, entender o que está havendo e recebe, então, o diagnóstico de Alzheimer precoce. 

Vamos começar pelo elenco: Julianne Moore e Alec Baldwin são nomes grandiosos na indústria? São. Mas particularmente, acho que a Kristen Stewart aí está fazendo ponta só para dar mais um pouquinho de "peso" (não me julguem.; só não acho que ela seja uma atriz tão excelente assim e só gostei dela atuando em The Runways). O filme tem um elenco pequeno, mas a estrela principal é, obviamente, a querida Julianne Moore. Não gratuitamente, né? Há pessoas que mesmo fazendo o papel principal, não conseguem ser as estrelas. Não conseguem se destacar. Essa mulher, claro, consegue. Tanto que levou o Oscar 2015 na categoria de Melhor Atriz para casa, né? 

Imagine o seguinte: você é um profissional de renome. Você vê toda a sua vida bem estruturada, um casamento feliz, filhos com quem você mantém uma relação saudável (com exceção de uma, mas já vamos chegar lá!) e, quando você menos espera, boom. Tudo vira de pernas pro ar porque você não consegue se recordar de certas coisas. Sua memória falha. Durante boa parte do filme, foi exatamente isso que eu fiz. Me coloquei sem querer no lugar de Alice, e também de sua família. A proposta do filme é básica, é simples. Entretanto, consegue repassar um drama que é vivenciado por muitas famílias. Interpretando uma mulher que demonstra sua personalidade calma e determinada desde o início, você acompanha uma pessoa se definhar, bem à sua frente. 

Não é um filme espetacular em trama. Não traz surpresas, e nem mesmo drama numa medida incômoda que te faz querer sair correndo e cortar os pulsos. Mas é um filme capaz de retratar na tela o característico problema que muitas pessoas enfrentam ao se deparar com essa doença: os laços familiares que são abalados, as dificuldades que vão se acumulando com o passar do tempo. Repassa a mensagem clara de que sofrer com Alzheimer é a mesma coisa que se perder e nem todos têm a capacidade de se reencontrar; e talvez por isso ele tenha sido um filme tão marcante, tão profundo: porque mostra a capacidade de lutar não contra, mas consigo  mesmo. 

O filme é lindo. Maravilhoso e os prêmios à Julianne foram mais do que  merecidos por toda a atuação feita. Embora falar sobre o filme sem dar spoilers seja algo complexo, é indicado. A fotografia é simples, sem muitos detalhes, sem muitos enfeites. O texto é bem construído, a direção foi realmente bem elaborada e o elenco - especialmente o núcleo entre Julianne e Alec, que interpretam um casal - foi realmente encantadora. Alice passa por diversos estágios - dos mais simples aos ataques de desespero por não encontrar algo. Uma coisa, porém, me chamou mais atenção. O modo como eles deram destaque à personagem da Lydia, filha caçula com quem Alice não tinha um contato tão grande por não apoiar a garota a ser uma atriz de teatro. Kristen Stewart não me emocionou, mas o relacionamento entre mãe e filha, sim. Porque por muitos momentos, eu fiquei imaginando como eu reagiria diante a situação, não sendo a filha mais velha e morando do outro lado do país. E vou encerrando aqui, com duas coisas. Antes de tudo, concordando com esse dizer:


E recomendando também a trilha sonora, porque eu já adicionei ela na minha lista de amorzinhos musicais. <3 Vai ter resenha de livro? Vai, vai sim. ♥



And this is how you remind me.



Imagem Suckess

Há alguma preocupação nessa promessa. Se esse negócio de Correio do Tempo vai funcionar mesmo; o anúncio diz que sim, mas, por favor: se você não for a destinatária original, rasgue, queime, jogue as cinzas no vento.

       Tenho sempre uma imensa contrariedade ao iniciar qualquer correspondência com “querida”. Você sabe disso melhor do que ninguém. Nós duas sabemos que não importa a época em que isso será lido – concordamos que querida não seja exatamente uma expressão sincera. ‘Cê tá sentada? Porque olha, não importa a idade que tenha agora –16, 13, 5. A coisa vai ser séria viu? Então senta, pequena (e isso eu aceito já que nós somos) e absorve as palavras, porque acho que é necessário. Terão fases na sua vida. Você vai ser chamada de “morena” por um tio querido, de “Lori” por uma prima amada e alguns amigos vão chamar de “Loly”, por um tempo (e você não vai gostar desse apelido porque sempre vai lembrar o nome de um cachorro). Vão te chamar de um nome que pensou por acaso, achou que combinava com uma personagem original, sua, que vai ter um impacto gigantesco na vida, e quando alguns te perguntarem “NOSSA, VOCÊ SE CHAMA LORENA?”, irá rir. E vai afirmar, porque sabe que esse tipo de coisa não aconteceu de propósito. Mas tem orgulho desse apelido em especial, porque ele vai trazer pessoas muito importantes para sua vida e fará ter crescimento. Contudo, no final, será só uma: Lorena. Lô, para aqueles que forem próximos de verdade.

       Vamos acreditar que esteja na faixa dos treze ou catorze anos. Sua vida ainda não começou de verdade, porque por enquanto, tudo é muito fácil. Você vai descobrir em breve o verdadeiro significado das palavras “dor” e “perda” e depois vai se surpreender em como conseguiu ser tão forte por si e pelos outros. A mãe vai precisar de ti como nunca precisou antes, e terás tanta coisa pra pensar que às vezes vai acreditar estar ficando louca. Irá falar sozinha, vai ter o botão do foda-se quebrado de tanto que já apertou ele, e vai se apaixonar pelas palavras mais do que algum dia se apaixonou por alguém. Vai encontrar força nos livros, vai encontrar força em si mesma. Só que também criará tantas barreiras que isso vai machucar. Vai afastar pessoas, porque embora nós sejamos diferentes agora, há algo que ainda carregamos: valores morais. Vai por mim, a fase de ser explosiva passa, porque será um aprendizado se fortalecer e defender sem precisar ofender ou machucar alguém. O seu relacionamento com a mãe vai ficar só melhor. Melhor do que já é, e vai ver nela a sua melhor amiga, sua companheira, irmã, sua confidente fiel – as duas vão conseguir se entender por um olhar, por um tom de voz, por um sorriso, uma expressão; e você terá muito mais dela do que pensa, e com certeza vai ser feliz demais com isso. Embora vá ficar irritada por às vezes ser você a adulta e ela a adolescente; e ó! Eu prometo que não vai ser tão sentimental, tão chorona!! Fica tranquila com relação a isso. Só herdou senso de justiça: isso vai te meter em tantos problemas, ainda...

       Sobre a adolescência: não irá curtir. Na verdade, nunca nem idealizou isso, porque sabe que é um pouco diferente, um pouco “fora do padrão”. Isso não te incomoda até o fim desse período, porque você vai ter forças, mesmo que lá na frente o reservatório fique vazio, que precise recarregar e que haja a necessidade de abrir mão de certas coisas que te causam sofrimento extremo, que são facilmente descartáveis. Só que, olha. A força uma hora acaba e mesmo que pareça bateria infinita, acaba caindo no fundo de um poço. Daí, você levanta. E percebe que precisa de algo. Esse “algo” vem na hora certa. Só acontecerá quando estiver preparada psicologicamente para isso. Te alerto sobre o controle em si mesma – quando estiver desesperada e irritada, e a mãe precisar segurar você, a culpa vai te afligir depois. Vai te corroer por dias, semanas e alguns meses. Mas saiba que não é culpa sua e lá na frente adquire todas as respostas que precisa.

       Em algum momento da sua vida, você vai dar adeus àqueles que você pensava serem eternos e passa a acreditar que nada é mesmo eterno. Vai ser realista, arrogante, indiferente, com os pés firmes demais no chão. Irás construir uma verdadeira muralha mesmo não sendo arquiteta. Poucos vão ser corajosos e determinados o suficiente para ultrapassarem. Posso te falar um segredo? Espero que ninguém brigue comigo: você melhora. E o faz pelas pessoas que ama, porque obviamente quer sempre ser o melhor para as pessoas, dar o melhor de si, só que em algum momento consegue refletir que não tem mais o quê melhorar sem deixar sua essência para trás. Que se as pessoas não têm capacidade de aceitar a sua essência, você não também não precisa delas - as deixa partir com dor no coração. Mas, em compensação, virão pessoas verdadeiras que serão os seus anjos da guarda sem asas e serias capaz de matar por eles. Eu sei que você perdoa, mas não esquece fácil... Só que verá que certas coisas são necessárias relevar, porque cada um é diferente e tem seu “eu verdadeiro”. Verá que mesmo um vilão tem uma razão para ser assim e surge sua tendência a acreditar que todo mundo tem pelo menos um grão de areia que seja bom.

       Muitas coisas aconteceram nesses seis anos. Muitas coisas irão acontecer nesses seis anos e não posso adiantar nada concreto, porque qualquer alerta meu pode mudar o seu futuro. O meu futuro.

       O nosso.

       E, quando fizeres a mesma coisa que estou fazendo agora, notará que não, não tem necessidade de mudar nada. Você sabe que não adianta lutar contra o destino. Lembra as palavras da Vó Aura? “Quando o dedo de Deus aponta, não adianta escapar”. Lembre-se disso quando precisar encarar a dor da perda. Uma não vai doer tanto; ela vai ser só um comichãozinho que vem e vai, mas a outra... Se pegará chorando durante a noite, em segredo, longe dos olhares. Vai querer fugir, acreditando que tudo é um pesadelo que não tem fim. Entretanto, a realidade sempre dá um jeito de se mostrar, de uma forma ou outra. Parece que ninguém sabe o que passa na sua mente, no seu coração – eles dirão “eu sei o que é isso”, e tudo o que acontecerá é você segurar a vontade de rir e responder que são pessoas diferentes, dores diferentes. Essa vai ser a sensação. Mas, fica tranquila! Tudo passa.

       Não muda nada, por favor. Te imploro isso. Aguenta firme, não desiste não. Quando chegar a hora de abrir mão de coisas ou pessoas, você vai saber.

       Aos vinte anos, aprendeu muito (embora saiba que tem tanto ainda para aprender!). Vai saber que a dor, que as críticas, que as mágoas, que as ofensas pesadas... Ensinaram muito. Te fizeram forte, te tornaram resistente. Aos vinte, você vai se orgulhar de ter dedicado dois anos da sua vida por algo que ainda dizem por aí “que sentem falta, que foi incrível” e será tão feliz por isso que mal consigo escrever! Vai perceber que ganhou amigos incríveis por isso, garota! Sim, terá o questionado, em algum patamar da sua vida: “e se não fossem eles?”, e notará que muita coisa seria diferente porque cada um teve um papel importante nesse espetáculo. Você vai rir sozinha quando estiver lembrando alguma ocorrência com eles, porque sabe que esses amigos, mesmo que nunca tenha visto a maioria deles além da tela do computador, estão a um passo sempre que tu precisas. Eles vão te dar uma força absurda, uma injeção de ânimo cada vez que estiver sentindo o chão sumir dos pés e tudo cair. Eles vão fazer você respirar fundo, e em alguns sempre vai rolar o puxão de orelha, o ensinamento. Terão brigas, risadas, choros – de tristeza, de amor, de raiva -, conselhos... Um turbilhão de emoções. Aos vinte anos, quando olhar para trás, enxergará uma mulher que tem muita coisa para aprender, mas vai ver que nada poderia ser diferente, porque tudo rumou para você ser quem é hoje.

       Porque nós duas, Lorena, somos parte de uma coisa grandiosa chamada “vida”. Ela vai doer, vai tentar derrubar (assim é criado o terrível hábito de se perguntar “e o que vai acontecer agora?” quando tudo estiver bem). Mas todos os dias, erguerá a cabeça vai colocar a sua coroa. Porque você não precisa ser rainha dos outros, mas precisa ser a rainha de si mesma.

       Se nós não governarmos a nossa vida, quem vai fazer isso?

P.S.¹: Acredite. Confie. Seja menos ansiosa quando as coisas acontecerem. Ame, mas acima de tudo, nos ame. O que fomos, o que somos e o que seremos.
P.S.²: Também continuo acreditando que apenas não fomos para Hogwarts porque seríamos um perigo com uma varinha e feitiços nas mãos!

 Até daqui seis anos,
L.S.V.

 Essa é uma postagem feita através de uma blogagem coletiva do grupo Coisas de Blogueiras, que tem o objetivo de reunir blogueiras e promover interação entre as mesmas. Créditos ao tema ao grupo Rotaroots.

[RE]Start


Significado de Recomeçar:
v.t. Começar de novo; refazer depois de interrupção: recomeçar um hobbie.
Retornar a fazer qualquer coisa: recomeçar a ser feliz.
V.i. Começar a ser, a produzir-se novamente: recomeça a chuva.

Eu não sou boa com apresentações. No geral, costumo ser uma pessoa que fala o básico - o meu nome. Mas o meu nome aqui e agora não é tão importante, porque eu posso ser apenas eu  mesma aqui. Eu estou com aquela necessidade de falar. De escrever. De desabafar e de arrancar de dentro do meu "eu interior" o que me incomoda, me angustia. De falar sobre os meus sentimentos, pensamentos. Meus textos, até então escondidos em uma gaveta ao lado de uma mesa finalmente vão começar a ser revelados. Talvez não para um mundo inteiro - eu não quero ninguém lendo qualquer coisa minha por obrigação. Não há página no facebook, não há twitter. Não há qualquer pretensão de sair espalhando para qualquer pessoa o que penso e sinto.

Isso porque, basicamente,  estou aqui me despindo em frente a olhares de desconhecidos, e eu não sei o quê esses desconhecidos (e possivelmente não tão desconhecidos) irão pensar. E eu não saber a reação desses "estranhos" perante a minha própria vida é algo assustador e empolgante. Acho que todo mundo precisa se arriscar uma vez na vida, fazer o que nunca achou que faria. No meu caso, dividir comigo mesma minhas sensações, meus desejos, minha vida. Abrindo a porta, de coração escancarado aos recém-chegados. Limpe os pés antes de entrar, e sinta-se muito bem vindo, porque o meu universo pessoal é a minha mente. Jurei que faria 2014 ser um ano diferente, que seria mais (bem mais) determinada. De uma forma ou de outra, deixar para fazer em agosto o que que queria ter feito em janeiro é algo que me incomoda, mas antes tarde do que nunca - e mesmo agosto sendo o mês do desgosto... Eu espero que ele simbolize ao menos uma coisinha especial para, quando olhar para trás, sentir que valeu a pena.

Acredito fielmente que estou vivenciando mais uma situação de lição do que qualquer outra coisa. Como diz Hans C. Andersen, "quando as palavras falham, a música fala"; talvez por tanto estar conectada à música, justamente isso o que  me moveu a fazer questões que, em sua maioria, ficaram sem respostas. Me perguntei quando exatamente eu deixei de ter ânimo com as coisas que amo, que desejo, que adoro. Quando deixei de me sentir confortável ao escrever uma resenha, de imaginar os personagens, de escrever, de desabafar? Quando parei de me interessar por aquelas coisas, mesmo que pequenas, que me faziam tão feliz? Quando as coisas se tornaram um peso, não uma verdadeira cura? Porque, até então, fazer tudo isso me deixava leve, tanto quanto uma pluma. A resposta veio como um tiro certeiro no alvo: quando eu comecei a acreditar que o que eu estava fazendo era uma obrigação. Creio, claro, que ver o problema é o primeiro passo para a solução total. Pensando de um ângulo um pouco mais sério e menos egoísta, compreendo os motivos a ter sido parcialmente abandonada. Não significa que eu consiga aceitar tão facilmente.

Resolvi tentar. Mais uma vez. Nem que seja para novamente remar que nem uma condenada e morrer na praia. O mar é grande, o caminho também vai ser. Penso que parte disso tenha sido em parte porque eu enxergava a solução, há muito, na frente dos meus olhos; contudo, me parece que (já) está na hora de trocar as lentes dos óculos, porque não enxerguei. Ou não quis ver. Estou mais inclinada a acreditar que tenha sido a última alternativa. É mais fácil fechar os olhos; é mais fácil fingir que ela não é aquele pilar principal que carrega tudo, mas que é um mero detalhe que pode ser "facilmente ignorado". Nunca acreditei  muito que tenho tempo para sentir melancolia... Agora, porém, cá estou desabafando palavras que eu achei que dificilmente seriam faladas (digitadas, que seja).

Eu novamente retorno. Afinal, "o bom filho a casa torna". Cansei dos meus próprios "achismos". Estou com vontade de falar eu sei e eu quero. Chega de pensar em como as coisas deveriam ser e como elas realmente são. Sacudir a poeira, erguer a cabeça e ignorar o que me faz mal. É isso o que todo mundo deveria fazer,  não?

Grilhões



Andava assim, nas pontas dos pés.

      Um. Depois. O. Outro. 

      Em uma tentativa vã de silêncio, pois havia sempre aquela parte de madeira do assoalho que insistia em ranger brevemente, resmungando como um velho idoso por conta da artrite. Parou, aguardando no meio da madrugada uma centelha de som que indicasse que havia acordado qualquer uma das pessoas que já habitava, naquela altura da noite, o mundo dos sonhos.

      Estava ela ali, dividida entre ir ou ficar – solitária. Ou quase. Atrás de si, uma figura invisível aos seus olhos, que se recusavam a enxergar a massa negra de tristeza e falsa aceitação. Ocupava quase que o corredor inteiro, e este por si só já era um pouco mais alto e largo que o convencional – ela não se permitia ver o que “não existia” (supostamente). Quando criança, era uma menina sorridente, de riso fácil e cativante. Agora, tornara-se uma fugitiva. E sua fuga não era à toa; fugia da própria felicidade, e várias vezes ao dia (este aparentemente interminável) ela se embrenhava cada vez mais naquele labirinto sem aparente (fácil) saída – fugia dos sonhos, fugia de si mesma. Embora possuísse nome semelhante, não era como se fosse a Ariana apaixonada por Teseu, que teve a brilhante ideia de fazê-lo adentrar no labirinto com um rolo de barbante em mãos.

      Ela, parada no corredor, encarando o reflexo, não parecia disposta a enxergar o que deveria – que estava amarrada em invisíveis algemas: não parecia certo aceitar-se como era, não parecia certo pensar o que pensava, não parecia ser certo ela ser tão ela. Assemelhava-se mais a um “defeito de fábrica”. E tantas e tantas foram as reflexões no espelho da alma, que ela finalmente notou que não estava presa por vontade própria. E, quando o fez, encontrou no meio de tanta bagunça uma pequenina chave – aquela, que com certeza a livraria das correntes de ferro. A massa negra finalmente foi embora.